A Inteligência Artificial como inventora
Publicado por Guerra IP
Em 25 de outubro de 2022, Carlos Parra, representante do escritório Olarte na Asia foi mediador de uma live intitulada: “The artificial inventor, innovation, and the patente law”.
O assunto central era o que aconteceria se uma inteligência artificial (IA) inventasse algo? A invenção criada por uma IA poderá ser protegida por uma patente? Importa se o inventor não é uma pessoa física?
E o que foi discutido, considerando os EUA, Japão e África do Sul foi uma reação diferente em casa jurisdição. Meses após essa live, assistindo ao WEBINAR “Inteligência Artificial: Uma Perspectiva Comparada Brasil – Europa – EUA”, continuamos com a mesma indefinição em relação às consequências em cada território. Porém, com uma tendência de que “indivíduo” é uma pessoa física.
Na década de 50 já se falava em IA e a definição do que vem a ser essa IA tem evoluído desde então. Podemos entender como IA a capacidade de uma máquina de reproduzir competências semelhantes às humanas, tais como, aprendizagem, planeamento, raciocínio lógico e, até mesmo, a criatividade.
A fim de exemplificar os entendimentos quanto à proteção patentária relacionada às criações provindas de uma IA, usaremos como exemplo o pedido de patente internacional PCT/IB2019/057809 depositado em 17/09/2019 por Stephen L. THALER, onde o inventor é o DABUS, com reivindicação de prioridade em dois pedidos apresentados ao Escritório Europeu de Patentes.
DABUS (Device for the Autonomous Bootstrapping of Unified Sentience) é um sistema de IA, desenvolvido por Thaler em 1994 que tem por objetivo replicar a cognição humana, ou seja, reproduzir a capacidade humana de processar informações e transformá-las em conhecimento, com base em um conjunto de habilidades como a percepção, a atenção, a associação, a imaginação, o juízo, o raciocínio e a memória. O DABUS é conhecido como “The Creativity Machine”.
Acontece que Stephen L. THALER, nacionalizou o seu pedido de patente internacional no Japão, Canada, Reino Unido, Nova Zelandia, Singapura, Arabia Saudita, República da Coreia, África do Sul, EUA, Austáalia e Brasil.
Esse pedido de patente gerou e está gerando muita controvérsia em relação a algumas decisões e quanto ao conceito de quem vem a ser o inventor.
O Instituto Europeu de Patentes, reconheceu que a lei não impede que o dono de uma máquina que tenha gerado uma invenção patenteável se nomeie como inventor, desde que seja esclarecida essa situação (princípio da boa-fé). Dessa forma, foi depositado um pedido dividido onde foi feita uma emenda de forma a apresentar o criador da IA como inventor: “Stephen L. Thaler, by virtue of being the owner of the AI system (DABUS) that created the invention disclosed in the application”. Esse pedido dividido ainda não foi analisado. Sendo que na Alemanha, foi decidido que, para que o pedido seja aceito é necessário que pelo menos um inventor seja humano, ou seja, o DABUS será aceito como inventor desde que seja indicado um segundo inventor humano (que provavelmente seria o criador do DABUS). Essa decisão foi uma opção que admite a possibilidade de se ter, como inventor ou co-inventor, uma IA.
No Japão, o pedido não foi aceito. Segundo Yunjin Choi (Advogada no SHIGA INTERNATIONAL PATENT OFFICE), que apresentou a live “The artificial inventor, innovation, and the patente law”, no Japão se mantem rígido o entendimento de que o inventor está limitado a uma pessoa física (natural person).
Na Austrália, foi considerado que apenas uma pessoa física pode ser considerada inventor e que essa pessoa física deve ser claramente identificada no momento da apresentação do pedido de patente, e, por esta razão o pedido apresentado por Thaler foi rejeitado.
No Reino Unido, o pedido foi rejeitado com o argumento de que a nomeação de uma máquina – ou IA – como inventora não atende aos requisitos da Lei de Patentes de 1977.
Nos Estados Unidos, o pedido foi recusado, uma vez que foi considerado que apenas pessoas físicas podem ser indicadas como inventores em um pedido de patente.
Na Nova Zelândia, foi decidido que o pedido era nulo, considerando o fato de que nenhum inventor, pessoa física – foi identificado nos pedidos de patente (pela lei local o inventor deve ser uma pessoa física).
Na África do Sul, o pedido de patente foi aceito e a concessão da respectiva patente ocorreu em julho de 2021. Na África do Sul não há exame substantivo de requisitos de patenteabilidade, existe apenas um exame formal de preenchimento de informações, porém nesse exame formal foi identificado a IA como inventora e aceita essa condição. Conforme apresentando na live “The artificial inventor, innovation, and the patente law”, pelo advogado Anthony van Zantwijk (Patent Attorney, Sibanda & Zantwijk Patent Attorneys), o entendimento de aceitar a IA como inventora se deu por conta do Direito Romano onde houve uma comparação da IA com um escravo nos tempos romanos: um escravo era capaz de criar e não podia possuir propriedade (…”Os escravos estão em poder de seus senhores… tudo o que é adquirido pelo escravo é adquirido para o senhor”…).
No Brasil, foi publicada a retirada da fase nacional desse pedido de patente: “Pedido retirado da fase nacional brasileira, tomando por base o entendimento exarado pela Procuradoria Especializada do INPI (Parecer nº 00024/2022/CGPI/PFE-INPI/PGF/AGU), no sentido da impossibilidade de indicação ou de nomeação de inteligência artificial como inventora em um pedido de patente apresentado no Brasil, tendo em vista o contido no Art. 6º da Lei nº9.279/96 e do disposto na Convenção da União de Paris (CUP) e no Acordo TRIPS.” O requerente entrou com um recurso a essa decisão e está em análise.
Pela tramitação dos pedidos nos territórios mencionados acima, podemos ver a tendência ao entendimento de que o inventor declarado deve ser uma pessoa física e que, portanto não poderemos ter patentes onde o inventor declarado seja uma IA, mesmo quando o desenvolvimento da invenção for realizado por uma IA.
Mesmo a IA simulando o pensamento humano e sendo capaz de “criar”, atribuir a uma IA a condição de criadora de uma invenção é um assunto muito controverso. A IA possui inúmeras “vantagens” as quais podemos e devemos nos beneficiar, porém, ela não “pensa”. A IA aprende com padrões, baseada em informações as quais foram alimentadas por pessoas e esse aprendizado é capaz de fazer essa IA tomar decisões com certa autonomia (algoritmo). Tanto o TRIPS quando a CUP, falam do inventor de uma patente como alguém que detém personalidade e capacidades jurídicas, que são características exclusivas das pessoas naturais e das pessoas jurídicas, estas consideradas com a reunião de diversas pessoas naturais (humanas).
Em consequência, pelas regras e leis atuais a IA não pode ser considerada inventora de uma criação industrial, não podendo ser indicada como tal (inventora) de um pedido de patente.
Com certeza teremos muitas discussões ainda sobre esse tema e considerando o avanço dessa tecnologia e o seu correto uso, poderemos ter entendimentos diferentes no futuro próximo.
Para quem ficou interessado, os links da LIVE e do WEBINAR comentados neste artigo seguem abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=TlYpuoo0kIQ
https://www.youtube.com/watch?v=xkr7_afZ31M
Gabriele Sarmento